quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Matéria publicada na Folha de São Paulo

GAROTO FICA TETRAPLÉGICO APÓS ERRO EM CIRURGIA DE FIMOSE E HÉRNIA


Aos cinco anos, Ravy Silva, corria pela casa, desenhava, andava de bicicleta e era um habilidoso projeto de craque de futebol, na descrição do pai, Francisco de Assis. "Tinha uma direita...!"Começaria as aulas de natação no ano seguinte. (foto: Ravy à esquerda com seus irmãos)

Hoje, aos 8 e com 14 kg, Ravy não anda, não fala, alimenta-se por uma sonda na barriga e não movimenta os membros do corpo, atrofiado. Está tetraplégico e não vai a escola, desde de uma mal sucedida cirurgia de fimose e hérnia umbilical, em 24 de janeiro de 2006, no Hospital Municipal Infantil Ismélia da Silveira em Duque de Caxias.

Um problema na anestesia provocou uma parada cardíaca em Ravy. Como consequencia da falta de oxigenação no cérebro, ele ficou tetraplégico. O garoto ficou 4 meses no Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro.

A justiça determinou que a prefeitura da cidade - um dos 10 maiores PIBs entre municípios do Brasil - "forneça o tratamento especializado,os meios necessário para sua assistência, tais como remédios,transporte ao local de tratamento e cadeira de rodas".

Segundo o pai, que parou de trabalhar como vendedor desde o incidente apenas 3 dos mais de 10 remédios que Ravy usa diariamente são entregues, ainda assim de forma "irregularmente." Como a prefeitura não realiza o transporte, Francisco de Assis depende de carro emprestado para levar o filho aos diversos tipos de tratamento em Caxias e no Rio.

Há quase 5 meses a prefeitura emprestou uma cadeira para adultos. Sem equilíbrio Ravy mal se sustenta na cadeira, grande demais. Precisa de modelo especial, mais caro, com suporte para os pés e braços.
A família mora em Jardim América, subúrbio do Rio, próximo ao limite com Caxias.
"Mutilaram uma criança. Destruiriam minha família". Disse Assis. "O juiz manda e não dá nada? Será porque o menino não é rico? Ele tem direito a tratamento; não está fazendo tratamento". A prefeitura de Caxias alega cumprir as determinações da justiça e acusa Assis de ser um pai "complicado". Com mais 2 filhos (Kalindy, 12, Ramany, 10) Assis passou a viver de um salário mínimo concedido após perícia do INSS no menino, passa o dia em função do filho - a mãe e separada e raramente vê o filho, cuja a guarda ficou com o pai. Vira-se com as doações de fraldas e comidas de igrejas.

Por falta de transporte e dinheiro para a gasolina e pedágio, Ravy não está podendo fazer a maioria das atividades do extenso tratamento para melhorar sua qualidade de vida.
"Em Xerém tem equoterapia, mas estou parado porque não tenho veículo: são R$ 13,60 só de pedágio mais o combustível. A prefeitura nega veículo".

Enquanto a reportagem conversava com o pai, Ravy observa. Por vezeschora e geme alto. "Acabou a voz. O som, para eu decifrar o que dói nele é pela experiência", explica Assis.
O tratamento de um caso como o de Ravy Silva é multidisciplicar: exige uma série de diferentes terapias e remédios e dieta diversificada.

O menino toma mais de 10 remédios regularmente. De medicamentos para evitar convulsões, relaxantes musculares, analgésicos e inibidores de refluxo, nebulizações, há produtos naturais como óleo de linhaça parao sistema digestivo.

De acordo com o pai, Francisco de Assis, Ravy precisa fazer fisioterapia, Terapia Ocupacional, fonoaudiologia, musicoterapia e equoterapia. "Tudo ajuda, ele melhora quando faz", diz. Um dos lugares que frequenta é a rede Sarah na zona leste do Rio, onde há uma série de terapias necessárias para o tratamento do garoto.

Lá, como nos outros lugares, o problema maior é a dificuldade de transporte. "Na Associação Brasileira Beneficiente de Reabilitaçãoestá tudo parado, porque me negam veículo. Em um centro que conseguiem Nova Iguaçu com musicoterapia, parei por falat de combustível. Outro lugar em Caxias, parei de levar porque não tinha estrutura, Recebia massagem na Tijuca, de graça, mas parei porque não tenho como ir.", diz.

Como não consegue mastigar, os alimentos precisam ser batidos no liquidificador e coados, antes de serem introduzidos no organismo pela sonda.
Por falta de recursos, o menino usa até fraldas geriátricas, muito maiores, doadas.

SECRETÁRIO DIZ QUE GAROTO TEM ASSISTÊNCIA

O secretário de Saúde de Duque de Caxias, Oscar Berro, afirmou à Folha que o município está cumprindo todas as decisões judiciais na área, inclusive as relativas a Ravy Silva.
Berro afirmou que Francisco de Assis, é um "pai complicado" e"boderline (pessoa com distúrbio de personalidade caracterizada por alterações de humor e ira descontrolada). "Ele pode querer que o filho faça as terapias, mas a justiça precisa ordenar isso", disse o secretário. A determinação da justiça é genérica, mas abrangente e obriga o município a fornecer "tratamento especializado" e "todos os meios necessários para sua plena assistência".
O secretário da Saúde afirmou que "esse indivíduo (Ravy) teve um problema de anestesia" durante a cirurgia. Berro afirmou que "foi explicado a família que havia o risco, porque depende de patologia da criança".
Assis disse que o menino era saudável. "Isso é o que a família diz",contestou o secretário.


* Folha de São Paulo dia 21/06/2008